AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.568 DISTRITO FEDERAL
V
O T O
A
SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - (Relatora):
1.
Conforme relatado, o Partido Popular Socialista – PPS, o
Partido
da Social Democracia Brasileira – PSDB e o Democratas –
DEM,
ajuizaram a presente ação direta de inconstitucionalidade,
com
pedido de medida cautelar, questionando a validade
constitucional
do art. 3o. (caput e parágrafo único) da Lei n.
12.382,
de 25.2.2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo
em
2011 e sua política de valorização de longo prazo, disciplina
a
representação fiscal para fins penais nos casos de
parcelamento
do crédito tributário, altera a Lei n. 9.430, de
27.12.1996
e revoga a Lei n. 12.255, de 15.6.2010.
2. Os Autores argumentam, em síntese, que a
norma
questionada
estaria maculada por inconstitucionalidade por
conter
“indisfarçada delegação” à Presidente da
República para
dispor
sobre o valor do salário mínimo, mediante decreto, o que
afrontaria
o inc. IV do art. 7º da Constituição brasileira.
Neste
se contém a exigência de ser fixado o valor do salário
mínimo
por lei. A determinação de ser indicado aquele valor, na
forma
do art. 2º da Lei n. 12.382/11, de 2012 a 2015, por
decreto
presidencial, impediria que o Congresso Nacional atuasse
no
exercício de sua competência a cada período anual.
Daí
a inconstitucionalidade alegada, porque teria havido
afronta
à exigência constitucional de lei em sentido formal para
tal
definição.
3.
O art. 3º da Lei n. 12.382/2011 dispõe:
“Art.
3o Os reajustes e aumentos fixados na forma do art. 2o
serão
estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio
de decreto,
nos
termos desta Lei. Parágrafo único. O decreto do Poder Executivo a que se
refere
o caput divulgará a cada ano os valores mensal, diário e
horário
do salário mínimo decorrentes do disposto neste artigo,
correspondendo
o valor diário a um trinta avos e o valor horário
a
um duzentos e vinte avos do valor mensal.”
O
art. 2o. da mesma Lei, ao qual remete a norma do caput do
art.
3o., estabelece:
“Art.
2o Ficam estabelecidas as diretrizes para a política
de
valorização do salário mínimo a vigorar entre 2012 e 2015,
inclusive,
a serem aplicadas em 1o de janeiro do respectivo ano.
§
1o Os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do
salário
mínimo corresponderão à variação do Índice
Nacional de
Preços
ao Consumidor - INPC, calculado e divulgado pela Fundação
Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE,
acumulada
nos doze meses anteriores ao mês do reajuste.
§
2o Na hipótese de não divulgação do INPC referente a um ou
mais
meses compreendidos no período do cálculo até o último dia
útil
imediatamente anterior à vigência do reajuste, o Poder
Executivo
estimará os índices dos meses não disponíveis.
§
3o Verificada a hipótese de que trata o § 2o, os índices
estimados
permanecerão válidos para os fins desta Lei, sem
qualquer
revisão, sendo os eventuais resíduos compensados no
reajuste
subsequente, sem retroatividade.
§
4o A título de aumento real, serão aplicados os seguintes
percentuais:
I
- em 2012, será aplicado o percentual equivalente à taxa
de
crescimento real do Produto Interno Bruto - PIB, apurada pelo
IBGE,
para o ano de 2010;
II
- em 2013, será aplicado o percentual equivalente à taxa
de
crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de
2011;
III
- em 2014, será aplicado o percentual equivalente à taxa
de
crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de
2012;
e
IV
- em 2015, será aplicado o percentual equivalente à taxa
de
crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de
2013.
§
5o Para fins do disposto no § 4o, será utilizada a taxa de
crescimento
real do PIB para o ano de referência, divulgada pelo IBGE até o último dia útil
do ano imediatamente anterior ao de
aplicação
do respectivo aumento real.”
O
art. 7º. da Constituição do Brasil
4. A norma constitucional apontada como
desobedecida pela
lei
12.382/11 teria sido a do inc. IV do art. 7º. da
Constituição
do Brasil:
“Art.
7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além
de outros que visem à melhoria de sua condição social:
...
IV
- salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado,
capaz
de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua
família
com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer,
vestuário,
higiene, transporte e previdência social, com
reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo
vedada
sua vinculação para qualquer fim;”.
O
ponto discutido na presente ação é se a norma do art. 3º
da
Lei n. 12.382/2011 contém determinação para se fixar o
salário
mínimo por decreto, a cada ano, de 2012 a 2015 (tese dos
Autores
da presente ação) ou mera indicação do
quantum devido
como
salário mínimo a cada ano (até 2015), segundo
o valor
fixado
naquele diploma legal.
Dito de outra forma: os Autores argumentam que
o que se
contém
na lei é delegação para que a Presidente da
República
fixe
o valor do salário mínimo. O que o Congresso Nacional e a
Presidente
informam, secundados pela Advocacia Geral da União e
pela
Procuradoria Geral da República, é que o valor já foi
fixado
pela Lei, cabendo à Chefe do Poder Executivo, por
decreto,
apenas atualizar e divulgar o valor segundo os
parâmetros
indicadores legalmente estatuídos. Para os Autores, a
divulgação
do novo quantum, a cada ano, por decreto
desobedeceria
o comando constitucional relativo ao
tipo
legislativo
a se adotar para tal procedimento, enquanto para os
Requeridos
a Constituição teria sido observada, pois o valor foi
fixado
pela Lei, cabendo ao Poder Executivo tão somente a
quantificação
do reajustamento anual do valor e o aumento,
quando
for o caso, pela apuração, aritmética, do quantum devido pela aplicação àquele
valor dos índices definidos pelo Congresso
Nacional
(art. 2º da Lei n. 12.382/11).
5. A norma constitucional tida pelos Autores
como
contrariada
refere-se à exigência de lei para o estabelecimento
do
valor do salário mínimo. O que se há de levar em conta para a
sua
interpretação é, portanto, a definição constitucional de
fixação
e de valor.
Quanto à fixação é de se afirmar, na esteira
de lição,
dentre
outros, de José Afonso da Silva, que a Constituição
“...oferece
várias regras e condições” (Comentário contextual à
Constituição.
p. 191) já em seu texto, impedindo a atuação livre
do
próprio legislador por ela convocado para, com base nestas
normas,
estabelecer o valor do salário mínimo nacional a ser
adotado.
Daí porque fixar, no sentido do inc. IV do
art. 7º. da
Constituição
brasileira, há de ser considerado como prescrever,
assentar,
firmar.
A epígrafe mesma da Lei n. 12.382/11 esclarece
que
nela
se “dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011 e a sua
política
de valorização de longo prazo”.
O
que se contém na lei em foco, portanto, é a definição
legal
e formal do salário mínimo, a fixação do seu valor em 2011
(art.
1º.) e a forma de sua valorização, a dizer, o que viria a
ser
o valor a prevalecer, enquanto ela vigorar, para os períodos
anuais
subsequentes (até 2015).
6. Ao definir o
quantum valorado em 2011, traduzido em
reais,
a lei n. 12.382/11 não esgotou a sua preceituação,
passando,
no art. 2º, a dispor como seria valorizado, quer
dizer,
como seria quantificado, em reais, o valor a prevalecer
nos
períodos de 2012 a
2015.
Para tanto, definiu os índices que incidiriam
sobre o
quantum
fixado no art. 1º da Lei nos períodos de 2012 a 2015.
Fixou-se, portanto, naquela lei o valor do salário mínimo.
Este,
entretanto, nos termos constitucionalmente definidos, não
seria
mais quantum imprevisível para os
trabalhadores nos
próximos
anos, como vinha ocorrendo desde a implantação do
denominado
Plano Real.
Diferentemente, o legislador brasileiro optou
por adotar
critérios
objetivos e formalmente afirmados na lei
elaborada
para
valer até 2015, quais sejam, o quanto fixado em 2011 e os
valores
a serem quantificados e adotados naquele período (2012 a
2015).
Assim, o Congresso Nacional, no exercício de
sua
competência
típica (legislativa) estabeleceu que o valor do
salário
mínimo, a prevalecer nos anos de 2012
a 2015, seria
o
de 2011 com reajuste para a preservação
do seu poder
aquisitivo,
para tanto havendo de guardar correspondência com a
variação
do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC,
calculado
e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia
e Estatística - IBGE, acumulada nos doze
meses
anteriores
ao mês do reajuste (§ 1º do art. 2º da Lei n.
12.382/11).
Fixou,
ainda, o legislador que, não havendo divulgação do
INPC
referente a um ou mais meses compreendidos no
período do
cálculo
até o último dia útil imediatamente anterior à vigência
do
reajuste, tais índices seriam estimados pelo Poder Executivo
quanto
aos meses não disponíveis.
De
se enfatizar, no ponto, que a estimativa também
não é
arbitrária,
mas segundo o critério adotado, pelo que pode ser
questionado
em sua apuração.
Estabeleceu,
ainda, o legislador, que se sobrevier
aquela
situação
prevista no § 2
o
,
“os índices estimados permanecerão
válidos
para os fins desta Lei, sem qualquer revisão, sendo os
eventuais
resíduos compensados no reajuste subsequente, sem
retroatividade”.
Com tal estatuição, o legislador retirou do Presidente da
República
qualquer discricionariedade quanto à fórmula para
apuração
do quantum a ser adotado segundo o valor
legalmente
fixado
ou sequer quanto à possibilidade de revisão
ou forma de
compensação
de eventuais resíduos.
Fixou,
ainda, o legislador que o valor a prevalecer no
período
de 2012 a
2015 seria o quantum estabelecido no art. 1º.
da
Lei n. 12.382/11 mais o reajustamento segundo o índice
firmado
nos §§ 1º e 2º do art. 2º, prevendo também aumento real
a
ser conferido segundo os índices igualmente definidos nos §§
4º
e 5º daquele diploma legal.
7. O Congresso Nacional legislou, portanto, nos
termos do
inc.
IV do art. 7º da Lei n. 12.382/11, rigorosamente fixando o
valor
do salário mínimo, definindo o quantum a ser observado em
2011
e qual o seu valor no período de 2012
a 2015, que é aquele
montante
em reais reajustado segundo o índice e a forma
estabelecidos
nos §§ 1º, 2º e 3º da Lei e aumentado segundo os
parâmetros
formal e objetivamente definidos nos seus §§ 4º e 5º.
8. Anotam os Autores da presente ação que teria
havido
“indisfarçada
delegação”, de forma imprópria, porque não
autorizada
por lei delegada (a Lei n. 12.382/11 é ordinária), o
que
faria com que o decreto presidencial, previsto no art. 3º da
Lei
n. 12.382/11, seria ato normativo inadequado
constitucionalmente,
que retiraria do Congresso Nacional a sua
competência
para deliberar sobre a matéria.
Em primeiro lugar, tenho por indébita a alegação
porque,
como
antes esclarecido, não há fixação de valor pela Presidente
da
República, mas aplicação aritmética, nos termos
legalmente
previstos,
dos índices fixados pelo Congresso Nacional, a serem
expostos
pelo decreto presidencial. Tal decreto não inova a
ordem
jurídica, o que seria inobservância da Constituição, mas
tão
somente aplica a lei, tal como ditado, para cada período,
para
tanto tendo de comprovar estar a cumpri-la ao
divulgar o
quantum
devido a cada período anual. O que se
conterá no decreto presidencial é apenas
a
aplicação
do índice e divulgação do que valorado pelo Congresso
Nacional
segundo fórmula, índice e periodicidade fixados na lei.
Daí porque no art. 3º da Lei n. 12.382 se tem,
por emenda
de
redação introduzida na tramitação do projeto que veio a se
converter
nesse diploma, que os reajustes e aumentos fixados na
forma
do art. 2o serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por
meio
de decreto, nos termos desta Lei.
Vale dizer, a Presidente da República não
pode, no decreto,
senão
aplicar o que nos termos da lei foi posto a ser apurado e
divulgado.
O decreto conterá norma de mera aplicação objetiva,
vinculada
e formal da lei, sem qualquer inovação possível, sob
pena
de abuso do poder regulamentar, passível de fiscalização e
controle
pela via legislativa ou judicial.
O que a lei impôs à Presidenta da República
foi tão somente
divulgar
o quantum do salário mínimo, obtido pelo valor
reajustado
e aumentado segundo os índices fixados pelo Congresso
Nacional
na própria lei agora questionada. É o que
se contém,
expressamente,
no parágrafo único do art. 3º impugnado: “O
decreto
do Poder Executivo a que se refere o caput
divulgará a
cada
ano os valores ...” .
E
bem andou o legislador porque, fixados os valores a serem
adotados,
a partir dos índices estabelecidos, se não houvesse a
previsão
do decreto se teria estabelecido insegurança jurídica
em
detrimento dos trabalhadores e das instituições, pois os
índices
seriam divulgados pela imprensa, por órgãos da
sociedade,
mas tanto poderia ensejar desencontro de informação,
o
que foi contido exatamente pela previsão do decreto.
Em segundo lugar, também considero infundada a
crítica
constitucional
formulada porque, ainda que se retirasse do mundo
jurídico
a referência ao modo de se decretar a divulgação do
quantum
a vigorar como salário mínimo no período fixado,
mediante
aplicação dos índices dispostos no art. 2º da Lei n.
12.382/11,
não se teria alteração na fixação do seu valor, que
continuaria
a ser o mesmo. Como observado pelo
Procurador-Geral da República em seu
Parecer,
“o isolado efeito da retirada da norma
(questionada)
seria
o de manietar o veículo de publicação do reajuste, criando
insegurança
jurídica, e, ao fim e ao cabo, reduzindo a garantia
constitucional
que o próprio inciso IV do art. 7º quer proteger.
O
ato da Presidente da República terá o objetivo de complementar
o
modelo, divulgando, no momento apropriado, os índices de
correção
e de reajuste do salário mínimo, quando, então,
cumprirá,
sem espaço para qualquer casuísmo, tarefa políticoadministrativa, e não
legislativa, iniciada pelo Instituto
Brasileiro
de Geografia e Estatística – IBGE”.
Em terceiro lugar, igualmente sem fundamento o
questionamento
formulado porque a lei emana do Congresso
Nacional
que a pode revogar quando assim entender conveniente e
oportuno,
sem qualquer interferência do Poder Executivo.
Desejável ou não a lei, o assunto não se
jurisdiciza pela
circunstância
de parcela dos congressistas não terem obtido
maioria
na votação contrária ao dispositivo do projeto que veio
a
se converter em lei.
Insista-se : a lei pode ser alterada
segundo
a decisão congressual.
Na Lei n. 12.382/11 não se contém qualquer
eiva de
inconstitucionalidade
quer porque a reserva legal prevista
constitucionalmente
foi assegurada, quer porque o decreto
previsto
para apuração e divulgação do novo
quantum salarial é
norma
infralegal, vinculada e de natureza administrativa e
declaratória
de valor fixado legalmente.
9.
Pelo exposto, voto no sentido de julgar
improcedente a
presente
ação direta de inconstitucionalidade.
Fonte do Processo: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=192881
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