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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Voto na integra da ministra Cármem Lúcia sobre a Fixação do salário mínimo



AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.568 DISTRITO FEDERAL
V O T O
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - (Relatora): 
1. Conforme relatado, o Partido Popular Socialista – PPS, o
Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB e o Democratas –
DEM, ajuizaram a presente ação direta de inconstitucionalidade,
com pedido de medida cautelar, questionando a validade
constitucional do art. 3o. (caput e parágrafo único) da Lei n.
12.382, de 25.2.2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo
em 2011 e sua política de valorização de longo prazo, disciplina
a representação fiscal para fins penais nos casos de
parcelamento do crédito tributário, altera a Lei n. 9.430, de
27.12.1996 e revoga a Lei n. 12.255, de 15.6.2010.
2.  Os Autores argumentam, em síntese, que a norma
questionada estaria maculada por inconstitucionalidade por
conter “indisfarçada delegação”  à Presidente da República para
dispor sobre o valor do salário mínimo, mediante decreto, o que
afrontaria o inc. IV do art. 7º da Constituição brasileira.
Neste se contém a exigência de ser fixado o valor do salário
mínimo por lei. A determinação de ser indicado aquele valor, na
forma do art. 2º da Lei n. 12.382/11, de 2012 a 2015, por
decreto presidencial, impediria que o Congresso Nacional atuasse
no exercício de sua competência a cada período anual. 
Daí a inconstitucionalidade alegada, porque teria havido
afronta à exigência constitucional de lei em sentido formal para
tal definição.
3. O art. 3º da Lei n. 12.382/2011 dispõe:
“Art. 3o Os reajustes e aumentos fixados na forma do art. 2o
serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio  de decreto,
nos termos desta Lei. Parágrafo único. O decreto do Poder Executivo a que se
refere o caput divulgará a cada ano os valores mensal, diário e
horário do salário mínimo decorrentes do disposto neste artigo,
correspondendo o valor diário a um trinta avos e o valor horário
a um duzentos e vinte avos do valor mensal.” 
O art. 2o. da mesma Lei, ao qual remete a norma do caput do
art. 3o., estabelece:
“Art. 2o Ficam estabelecidas as diretrizes para a política
de valorização do salário mínimo a vigorar entre 2012 e 2015,
inclusive, a serem aplicadas em 1o de janeiro do respectivo ano.
§ 1o Os reajustes para a preservação do poder aquisitivo do
salário mínimo corresponderão à variação do Índice  Nacional de
Preços ao Consumidor - INPC, calculado e divulgado pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE,
acumulada nos doze meses anteriores ao mês do reajuste.
§ 2o Na hipótese de não divulgação do INPC referente a um ou
mais meses compreendidos no período do cálculo até o último dia
útil imediatamente anterior à vigência do reajuste, o Poder
Executivo estimará os índices dos meses não disponíveis.
§ 3o Verificada a hipótese de que trata o § 2o, os índices
estimados permanecerão válidos para os fins desta Lei, sem
qualquer revisão, sendo os eventuais resíduos compensados no
reajuste subsequente, sem retroatividade.
§ 4o A título de aumento real, serão aplicados os seguintes
percentuais:
I - em 2012, será aplicado o percentual equivalente à taxa
de crescimento real do Produto Interno Bruto - PIB, apurada pelo
IBGE, para o ano de 2010;
II - em 2013, será aplicado o percentual equivalente à taxa
de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de
2011;
III - em 2014, será aplicado o percentual equivalente à taxa
de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de
2012; e
IV - em 2015, será aplicado o percentual equivalente à taxa
de crescimento real do PIB, apurada pelo IBGE, para o ano de
2013.
§ 5o Para fins do disposto no § 4o, será utilizada a taxa de
crescimento real do PIB para o ano de referência, divulgada pelo IBGE até o último dia útil do ano imediatamente anterior ao de
aplicação do respectivo aumento real.”
O art. 7º. da Constituição do Brasil
4.  A norma constitucional apontada como desobedecida pela
lei 12.382/11 teria sido a do inc. IV do art. 7º. da
Constituição do Brasil:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
 ...
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado,
capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua
família com moradia, alimentação, educação, saúde,  lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo
vedada sua vinculação para qualquer fim;”.
O ponto discutido na presente ação é se a norma do art. 3º
da Lei n. 12.382/2011 contém determinação para se fixar o
salário mínimo por decreto, a cada ano, de 2012 a 2015 (tese dos
Autores da presente ação) ou mera indicação do  quantum devido
como salário mínimo a cada ano (até 2015), segundo  o valor
fixado naquele diploma legal.
 Dito de outra forma: os Autores argumentam que o que se
contém na lei é delegação para que a Presidente da  República
fixe o valor do salário mínimo. O que o Congresso Nacional e a
Presidente informam, secundados pela Advocacia Geral da União e
pela Procuradoria Geral da República, é que o valor já foi
fixado pela Lei, cabendo à Chefe do Poder Executivo, por
decreto, apenas atualizar e divulgar o valor segundo os
parâmetros indicadores legalmente estatuídos. Para os Autores, a
divulgação do novo quantum, a cada ano, por decreto
desobedeceria o comando constitucional relativo ao  tipo
legislativo a se adotar para tal procedimento, enquanto para os
Requeridos a Constituição teria sido observada, pois o valor foi
fixado pela Lei, cabendo ao Poder Executivo tão somente a
quantificação do reajustamento anual do valor e o aumento,
quando for o caso, pela apuração, aritmética, do quantum devido pela aplicação àquele valor dos índices definidos pelo Congresso
Nacional (art. 2º da Lei n. 12.382/11). 
5.  A norma constitucional tida pelos Autores como
contrariada refere-se à exigência de lei para o estabelecimento
do valor do salário mínimo. O que se há de levar em conta para a
sua interpretação é, portanto, a definição constitucional de
fixação e de valor.
 Quanto à fixação é de se afirmar, na esteira de lição,
dentre outros, de José Afonso da Silva, que a Constituição
“...oferece várias regras e condições” (Comentário contextual à
Constituição. p. 191) já em seu texto, impedindo a atuação livre
do próprio legislador por ela convocado para, com base nestas
normas, estabelecer o valor do salário mínimo nacional a ser
adotado.
 Daí porque fixar, no sentido do inc. IV do art. 7º. da
Constituição brasileira, há de ser considerado como prescrever,
assentar, firmar.
 A epígrafe mesma da Lei n. 12.382/11 esclarece que
nela se “dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011 e a sua
política de valorização de longo prazo”.
O que se contém na lei em foco, portanto, é a definição
legal e formal do salário mínimo, a fixação do seu valor em 2011
(art. 1º.) e a forma de sua valorização, a dizer, o que viria a
ser o valor a prevalecer, enquanto ela vigorar, para os períodos
anuais subsequentes (até 2015).
6.  Ao definir o  quantum valorado em 2011, traduzido em
reais, a lei n. 12.382/11 não esgotou a sua preceituação,
passando, no art. 2º, a dispor como seria valorizado, quer
dizer, como seria quantificado, em reais, o valor a prevalecer
nos períodos de 2012 a 2015.
 Para tanto, definiu os índices que incidiriam sobre o
quantum fixado no art. 1º da Lei nos períodos de 2012 a 2015.  Fixou-se, portanto, naquela lei o valor do salário mínimo.
Este, entretanto, nos termos constitucionalmente definidos, não
seria mais  quantum imprevisível para os trabalhadores nos
próximos anos, como vinha ocorrendo desde a implantação do
denominado Plano Real.
 Diferentemente, o legislador brasileiro optou por  adotar
critérios objetivos e formalmente afirmados na lei  elaborada
para valer até 2015, quais sejam, o quanto fixado em 2011 e os
valores a serem quantificados e adotados naquele período (2012 a
2015).
 Assim, o Congresso Nacional, no exercício de sua
competência típica (legislativa) estabeleceu que o valor do
salário mínimo, a prevalecer nos anos de 2012 a 2015, seria
o de 2011  com reajuste para a preservação do seu poder
aquisitivo, para tanto havendo de guardar correspondência com a 
variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC,
calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE, acumulada nos doze  meses
anteriores ao mês do reajuste (§ 1º do art. 2º da Lei n.
12.382/11). 
Fixou, ainda, o legislador que, não havendo divulgação do
INPC referente a um ou mais meses compreendidos no  período do
cálculo até o último dia útil imediatamente anterior à vigência
do reajuste, tais índices seriam estimados pelo Poder Executivo
quanto aos meses não disponíveis. 
De se enfatizar, no ponto, que a estimativa também  não é
arbitrária, mas segundo o critério adotado, pelo que pode ser
questionado em sua apuração.
Estabeleceu, ainda, o legislador, que se sobrevier  aquela
situação prevista no § 2
o
, “os índices estimados permanecerão
válidos para os fins desta Lei, sem qualquer revisão, sendo os
eventuais resíduos compensados no reajuste subsequente, sem
retroatividade”. Com tal estatuição, o legislador retirou do Presidente da
República qualquer discricionariedade quanto à fórmula para
apuração do  quantum a ser adotado segundo o valor legalmente
fixado ou sequer quanto à possibilidade de revisão  ou forma de
compensação de eventuais resíduos.   
Fixou, ainda, o legislador que o valor a prevalecer no
período de 2012 a 2015 seria o quantum estabelecido no art. 1º.
da Lei n. 12.382/11 mais o reajustamento segundo o índice
firmado nos §§ 1º e 2º do art. 2º, prevendo também aumento real
a ser conferido segundo os índices igualmente definidos nos §§
4º e 5º daquele diploma legal.
7.  O Congresso Nacional legislou, portanto, nos termos do
inc. IV do art. 7º da Lei n. 12.382/11, rigorosamente fixando o
valor do salário mínimo, definindo o quantum a ser observado em
2011 e qual o seu valor no período de 2012 a 2015, que é aquele
montante em reais reajustado segundo o índice e a forma
estabelecidos nos §§ 1º, 2º e 3º da Lei e aumentado segundo os
parâmetros formal e objetivamente definidos nos seus §§ 4º e 5º.
8.  Anotam os Autores da presente ação que teria havido
“indisfarçada delegação”, de forma imprópria, porque não
autorizada por lei delegada (a Lei n. 12.382/11 é ordinária), o
que faria com que o decreto presidencial, previsto no art. 3º da
Lei n. 12.382/11, seria ato normativo inadequado
constitucionalmente, que retiraria do Congresso Nacional a sua
competência para deliberar sobre a matéria.
 Em primeiro lugar, tenho por indébita a alegação porque,
como antes esclarecido, não há fixação de valor pela Presidente
da República, mas aplicação aritmética, nos termos  legalmente
previstos, dos índices fixados pelo Congresso Nacional, a serem
expostos pelo decreto presidencial. Tal decreto não inova a
ordem jurídica, o que seria inobservância da Constituição, mas
tão somente aplica a lei, tal como ditado, para cada período,
para tanto tendo de comprovar estar a cumpri-la ao  divulgar o
quantum devido a cada período anual.  O que se conterá no decreto presidencial é apenas  a
aplicação do índice e divulgação do que valorado pelo Congresso
Nacional segundo fórmula, índice e periodicidade fixados na lei.
 Daí porque no art. 3º da Lei n. 12.382 se tem, por emenda
de redação introduzida na tramitação do projeto que veio a se
converter nesse diploma, que os reajustes e aumentos fixados na
forma do art. 2o serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por
meio de decreto, nos termos desta Lei.
 Vale dizer, a Presidente da República não pode, no decreto,
senão aplicar o que nos termos da lei foi posto a ser apurado e
divulgado. O decreto conterá norma de mera aplicação objetiva,
vinculada e formal da lei, sem qualquer inovação possível, sob
pena de abuso do poder regulamentar, passível de fiscalização e
controle pela via legislativa ou judicial.
 O que a lei impôs à Presidenta da República foi tão somente
divulgar o quantum do salário mínimo, obtido pelo valor
reajustado e aumentado segundo os índices fixados pelo Congresso
Nacional na própria lei agora questionada. É o que  se contém,
expressamente, no parágrafo único do art. 3º impugnado: “O
decreto do Poder Executivo a que se refere o caput  divulgará a
cada ano os valores ...” . 
E bem andou o legislador porque, fixados os valores a serem
adotados, a partir dos índices estabelecidos, se não houvesse a
previsão do decreto se teria estabelecido insegurança jurídica
em detrimento dos trabalhadores e das instituições, pois os
índices seriam divulgados pela imprensa, por órgãos da
sociedade, mas tanto poderia ensejar desencontro de informação,
o que foi contido exatamente pela previsão do decreto.
 Em segundo lugar, também considero infundada a crítica
constitucional formulada porque, ainda que se retirasse do mundo
jurídico a referência ao modo de se decretar a divulgação do
quantum a vigorar como salário mínimo no período fixado,
mediante aplicação dos índices dispostos no art. 2º da Lei n.
12.382/11, não se teria alteração na fixação do seu valor, que
continuaria a ser o mesmo.   Como observado pelo Procurador-Geral da República  em seu
Parecer, “o isolado efeito da retirada da norma  (questionada)
seria o de manietar o veículo de publicação do reajuste, criando
insegurança jurídica, e, ao fim e ao cabo, reduzindo a garantia
constitucional que o próprio inciso IV do art. 7º quer proteger.
O ato da Presidente da República terá o objetivo de complementar
o modelo, divulgando, no momento apropriado, os índices de
correção e de reajuste do salário mínimo, quando, então,
cumprirá, sem espaço para qualquer casuísmo, tarefa políticoadministrativa, e não legislativa, iniciada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE”.
 Em terceiro lugar, igualmente sem fundamento o
questionamento formulado porque a lei emana do Congresso
Nacional que a pode revogar quando assim entender conveniente e
oportuno, sem qualquer interferência do Poder Executivo. 
 Desejável ou não a lei, o assunto não se jurisdiciza pela
circunstância de parcela dos congressistas não terem obtido
maioria na votação contrária ao dispositivo do projeto que veio
a se converter em lei. Insista-se: a lei pode ser alterada
segundo a decisão congressual.
 Na Lei n. 12.382/11 não se contém qualquer eiva de
inconstitucionalidade quer porque a reserva legal prevista
constitucionalmente foi assegurada, quer porque o decreto
previsto para apuração e divulgação do novo  quantum  salarial é
norma infralegal, vinculada e de natureza administrativa e
declaratória de valor fixado legalmente.
9. Pelo exposto,  voto no sentido de julgar improcedente a
presente ação direta de inconstitucionalidade. 


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